quarta-feira, dezembro 01, 2004

Dissolução da Assembleia da República - 30/11
Quatro meses após ter presidido à cerimónia da tomada de posse do Governo liderado por Pedro Santana Lopes, na sequência da indigitação de Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia, S. EXa. o PR Jorge Sampaio tomou a decisão de, nos termos da alínea e) do art. 177º da CRP, dissolver a AR e convocar eleições antecipadas.
O que nos propomos hoje é analisar o efeito que tal decisão tem e/ou terá junto de alguns actores com destaque na vida política portuguesa e qual o papel que cada um deles poderá vir a desempenhar no futuro próximo.
Pedro Santana Lopes (PSL) - chegou onde queria (Primeiro-Ministro) sem saber muito bem como nem porquê. A súbita saída de Durão Barroso para Bruxelas e o facto de se encontrar nesse momento na vice-liderança do PSD colocou-o na linha da frente da 'sucessão' de Barroso.
Sampaio concedeu-lhe o benefício da dúvida e Santana formou Governo. Os 4 meses em que desempenhou o cargo de PM foram uma sucessão de episódios, muitas controvérsias e um estado de tensão social e política latentes que dificilmente seriam sustentáveis. A sucessão de eventos acabou por dar razão aos seus maiores críticos que o definem como um 'animal político', um político de carreira, com uma enorme ambição e capacidade de luta, mas pouco consistente e competente, além de insuficiente em termos de gestão, organização e liderança de uma equipa.
Além disso, a decisão de Sampaio reforça a sua imagem uma personalidade errática, que dificilmente leva um projecto até ao fim - Sporting, Figueira da Foz, Lisboa, Governo.
Sai fragilizado, mas não devemos subestimá-lo. O período que se segue é dos que PSL mais aprecia - a campanha política onde, popular e populista, se sente mais à vontade. Não devemos excluir a possibilidade de ele se transcender e de causar uma surpresa, ainda para mais liberto do espartilho da coligação, visto que tudo indica que o PSD concorra sozinho às eleições. Fica a dúvida - se perder por margem escassa, apontará baterias a Belém?
Jorge Sampaio - a sua apurada noção das funções presidenciais, juntamente com a serenidade e elevação com que lida com os assuntos levam-nos a afirmar que, no plano da justiça emocional, não merecia as trapalhadas em que já se viu envolvido, de Guterres a Santana, passando por Durão BArroso.
A saída deste para a Comissão Europeia deixava Sampaio perante um dilema - ou convidava os partidos da maioria a formar novo governo, no quadro parlamentar actual, ou convocava eleições antecipadas, por considerar que a base de legitimidade de um eventual novo governo liderado por Santana Lopes não era suficiente, e que se impunha uma clarificação política através da ida às urnas.
Empossou Santana, em nome da estabilidade governativa, mas também por não haver - na altura - uma oposição construtiva e estável, capaz de se constituir como alternativa credível e com capacidade para constituir Governo, num cenário de eleições antecipadas. A liderança de Ferro Rodrigues estava fragilizada e a ideia de um Governo liderado por si não oferecia garantias de 'um regular funcionamento das instituições'. A contragosto deu a Santana Lopes - alguém que o vinha atacando com subtileza, preparando a caminhada para Belém - a oportunidade de mostrar o que valia.
Não creio que tenha errado, nem que a decisão tomada agora seja uma espécie de 'mea culpa'. Sampaio deu a Santana a possibilidade de governar, mas condicionando-o ao ónus de provar que tinha capacidade para tal. Santana deu-lhe razão para ter desconfiado há 4 meses. Sampaio poderá ter até dado um 'beijo da morte' nas aspirações de carreira mais imediatas de Santana Lopes. Colocou-o na fogueira e PSL queimou-se.
Paulo Portas - silencioso durante a crise, o seu calculismo já o havia feito prever seguramente o cenário actual. Supomos, assim, que está preparado - para ir a votos e sozinho, esperando colher novamente os dividendos de poder ser a 'muleta' essencial para formar uma maioria de governo. Seja através de uma coligação pós-eleitoral, ou pela via de acordos de incidência parlamentar. Com o PSD ou com o PS.
José Sócrates - subtil e inteligente na sua exposição mediática e nas intervenções que foi fazendo ao longo das últimas semanas. Não exigiu a demissão do Governo - esperou que ela acontecesse naturalmente para de imediato se apresentar como candidato a PM, encarregando uma figura do peso de Vitorino para elaborar o programa eleitoral. Não desejaria ser poder já, mas está preparado. Sócrates é uma espécie de simbiose entre a inteligência, a sagacidade e a frieza de Guterres, e o populismo e mediatismo de Santana Lopes. Uma mistura que pode ser explosiva na campanha para chegar ao poder, mas que necessita da verificação dos factos no tocante à capacidade efectiva para governar.
Cavaco Silva - sombra que paira de forma constante sobre a vida política portuguesa. Em 2001, na véspera das autárquicas, pediu um cartão amarelo à governação socialista. António Guterres demitiu-se na sequência da derrota. No Sábado passado (27/11/04), escreveu um artigo no Expresso, invocando a lei de Gresham, para afirmar que é imperioso que os políticos competentes assumam as suas responsabilidades, designadamente a de afastar da linha da frente os políticos incompetentes e 'carreiristas'. Dias depois, Sampaio dissolve a AR.
Está a jogar. Não seria, em nossa opinião, candidato presidencial apoiado numa maioria PSD-CDS-PP liderada por dois dos seus maiores detractores: Santana e Portas. No contexto actual, tudo pode mudar. Uma nova liderança do PSD num cenário de derrota nas legislativas, pode dar a Cavaco Silva o contexto necessário para avançar. Contra Guterres.
António Guterres - é um sábio da política, um autêntico Kasparov. Gere cada intervenção, cada contacto, preparando tudo com a máxima inteligência e tacto, de modo a que aquilo que há dois anos atrás parecia impensável (o seu regresso à vida política) surja como algo de natural e espontâneo, quase inevitável. A história prepara-nos um reencontro: Cavaco vs. Guterres na corrida a Belém.